Úrsula Corona está de volta à televisão com “O Mapa”, um novo programa de viagens que estreia este domingo, 8 de junho, no canal Globo Portugal. Ao longo de quatro episódios gravados no Norte do país, a atriz e apresentadora brasileira propõe um olhar mais afectivo e transformador sobre o turismo — longe dos roteiros tradicionais e próximo das pessoas e das suas histórias. A rubrica “O Mapa para Todos”, dedicada à acessibilidade, é um dos pontos fortes da série e reflete o compromisso da apresentadora com a inclusão.

Com mais de 35 anos de carreira e uma forte ligação a Portugal, Úrsula regressa ao canal onde tudo começou com um projecto que une propósito, emoção e impacto. Visitam-se locais icónicos como a Fundação Serralves ou a Casa da Música, mas é nas conversas com quem habita aldeias, vilas e tradições que o programa ganha verdadeira profundidade.

A TRAVEL MAGG conversou com Úrsula Corona sobre “O Mapa”, as gravações em Portugal e o poder de viajar com o coração aberto.

Leia a entrevista

Como é que surgiu a oportunidade para fazer este programa?

Eu comecei na Globo tinha 8 anos de idade. Fiquei 21 anos na Globo, minha relação com eles sempre foi muito boa. A apresentação surgiu num num projeto que eu fiz chamado "Os Diários de Floribella". Eu sempre fiquei com esse gostinho. Eu fiz jornalismo também, mas nunca exerci. Eu gosto muito de escrever e gosto muito de viajar.

A essência de "O Mapa" foi criada pelo Omar Marzagão, que é o realizador. Eu contribuí um pouco também, mas vem muito da essência de como eu viajo. Eu gosto muito de viajar com um mapa e me perder para poder me encontrar através das pessoas. Às vezes você vê um guia turístico que às vezes nem da região é, reproduzindo algumas coisas que decorou, aprendeu, mas você não tem a alma ali da região, né? E isso a gente encontra muito com as pessoas, através da história de vida de cada uma. Então, "O Mapa" reflete essa questão mais humana. Porque, hoje em dia, o que acontece muito é que a tecnologia nos afastou um pouco do mundo real. Seja das relações interpessoais, ou mesmo quando a gente vai descobrir um lugar, toda a pesquisa vem da internet. Então, esse é um caminho contrário, é um turismo mais humano, é um turismo nada previsível. O que é turismo? Turismo é tudo, turismo é um estilo de vida, é cultura, é gastronomia, é música. Então, esse é o ponto, a gente falar de vida, porque a vida, no fundo, é todo dia.

O que é que as pessoas vão ver em cada episódio? 

A gente antecipou a estreia por causa do mês de Portugal, então é uma homenagem também ao Portugal, principalmente à região do Norte. Eu tenho um carinho muito grande pela região do Norte, então começar por aqui foi algo que a gente conseguiu ser muito feliz. Então, eu chego num lugar e a primeira coisa que eu pego é o mapa da região. Eu começo a pegar dicas de pessoas reais da região. Cada pessoa é uma peça do puzzle, que vai me dar a próxima dica. Por exemplo, eu peguei uma dica de Porto, de onde me hospedar. Me indicaram a ficar em Gaia. Achei isso curioso.

Claro que não sigo todas as dicas, mas é aquela que faz sentido por não ser comum. Gaia não é um lugar tão procurado, e ao mesmo tempo você vê as cidades do Porto, e é onde eu começo a me jogar por ali, falando assim, 'espera aí, realmente. Então as pessoas falam de Porto, mas não falam de Gaia?'. O puzzle é o seguinte: cada peça, cada pessoa vai te levando para o mundo dela, mas é um mundo à parte que a gente vai descobrindo passo a passo. O formato do programa é construído por essas pessoas, seja famosa ou não.

Úrsula Corona com Carlos Tê
Úrsula Corona com Carlos Tê Úrsula Corona com Carlos Tê

A gente tem o Carlos Tê, que é um grande compositor, poeta, letrista, onde ele revisita a infância dele, trazendo um momento super emocionante, trazendo a cultura local relacionada ao vinho, entre outras partes do Porto. Aliás, "Porto Sentido", que é a música dele com Rui Veloso, para mim é uma obra de arte que é intemporal e retrata muito essa beleza desse lugar. Ao mesmo tempo, temos o Pepe, que chegou aqui em Portugal em busca de oportunidades e ele mesmo me fala 'eu tinha 5 euros, eu não sabia se eu ligava para minha mãe ou se eu comia'.  E a partir disso, uma cidade que acolheu ele pelo seu talento, pelo seu carisma, pela sua capacidade de receber tantas coisas maravilhosas que a vida deu para ele e hoje ele se considera muito mais português, portuense, do que propriamente brasileiro, por mais que ele ainda tenha muito carinho pelo Brasil. Mas é isso, é pegar o que cada um tem de melhor por cada região.

Esta temporada é só no Norte, certo?

Essa temporada é porque é uma temporada especial, são só quatro episódios incríveis, porque a gente antecipou, mas em breve vai vir mais gravações no país inteiro e também outros países, como a Itália, como a Espanha, "O Mapa" vai viajar para muitos lugares.

A Úrsula já conhece Portugal há muito tempo e o nosso País em termos de configuração demográfica tem mudado muito nos últimos anos. Mesmo através de uma coisa mais leve como é um programa turístico, conseguimos transmitir tolerância? 

Você fala da questão de ter muitas pessoas de fora aqui, certo?

Sim, por exemplo, os brasileiros representam a maior percentagem de imigrantes em Portugal e isso pode gerar às vezes reações adversas, mas depois quando as pessoas estão cara a cara e conversam, essas ideias desfazem-se. 

Eu acho que quem está chegando, seja brasileiro, americano, enfim, qualquer pessoa que esteja chegando num país, e a gente agora está falando de Portugal, tem que aprender a respeitar e a entender que existe uma cultura local e que você não pode querer impor nada. Ao contrário, a gente tem que aprender, baixar a guarda e entender que esse é um país tão pequeno, mas que é tão diverso, tão rico, por tantas civilizações que já passaram por aqui. A gente tem que aprender que o respeito não passa pelo poder aquisitivo, não é dinheiro que a gente está falando. Ao contrário, a gente tem que respeitar e compreender também essa luta que os portugueses agora têm e com muita razão pela questão da habitação, pela questão da segurança básica, ainda mais porque existem efeitos colaterais que isso causa.

A gente está falando também de políticas públicas, onde as pessoas de fora têm benefícios fiscais que os portugueses não têm. Então, até onde a gente tem que cobrar isso? Será que é justo? Uma pessoa que vem para cá ficar 10 anos sem pagar impostos, enquanto os portugueses estão se matando com um salário mínimo baixo? Então, eu estou desse lado. Eu acho que nem é tanto o mar, nem tanto a terra. Porque, ao mesmo tempo, eu lembro de Portugal, em 2010, com uma crise violenta, onde as pessoas tinham fome, onde o turismo foi uma moeda económica para ter essa virada. Você vai falar do IVA, o que se arrecada com o IVA e quantos serviços surgiram após esse interesse por Portugal. Então, eu vejo assim, foi um sucesso, sim, a questão de você implementar o turismo como uma economia criativa. Funcionou. Porém, os resultados, entendeu? O impacto negativo e positivo tem que ser avaliado para poder ter um protecionismo, principalmente dos portugueses.

Úrsula Corona com Carlos Tê
Úrsula Corona com Carlos Tê Úrsula Corona na Livraria Lello

Quando a gente fala de "O Mapa", a gente desconstrói esse lugar do que turismo é uma coisa, cultura é outra, vida é outra. Não, a gente está falando de vida. Acima de tudo, é um programa que você vai assistir e, de repente, você não vai nem perceber que é turismo. Porque a gente está falando de vida, de ser humano. Eu sou uma pessoa que eu me conecto com pessoas. É de coração para coração. Hoje em dia, está cada vez menos genuíno você encontrar pessoas puras, pessoas com uma verdade esclarecida. "O Mapa" é um pouco de resgate do que eu acredito, do que eu quero para a minha vida.

6 experiências marcantes de "O Mapa"

Pedimos a Úrsula Corona para destacar os momentos mais marcantes desta primeira temporada do programa, totalmente dedicada à região Norte de Portugal.

1. Gaia vs. Porto

Úrsula Corona em Gaia
Úrsula Corona em Gaia Úrsula Corona em Gaia

"Explorar o Porto, estando em Gaia, me motivou muito. No Rio de Janeiro existe o Rio Niterói, né? Niterói é como Gaia, que é do outro lado do Rio. E foi muito interessante porque eu pude não apenas apreciar uma vista, mas compreender como é que é essa questão separatista, ainda mais quando eu fui conhecer a história da época do armazenamento dos vinhos, que até hoje existe.

Vamos destacar a questão geográfica no primeiro episódio. Me permitir não ficar no núcleo que eu queria conhecer e sim abrir um pouco essa possibilidade. Então, é uma dica para mim que eu destaco e recomendo, porque acho que a gente amplia um pouco a sensação onde motiva toda a economia e o que gira aqui na região."

2. Os museus "menos óbvios" do Porto

Úrsula Corona
Úrsula Corona

"Explorar os os museus menos óbvios. O Porto tem muita riqueza, a história do Palácio da Bolsa é maravilhosa. Buscar essas referências, esse património que até hoje estão muito bem conservados, para a gente poder compreender essa história. O Palácio da Bolsa me chamou muita atenção. O Museu da Misericórdia, que tem ali muitas histórias. "

3. A emoção da tradição da filigrana em Gondomar

A filigrana
A filigrana

"No terceiro episódio é muito difícil definir um. Tem três pontos altos. Primeiro é Gondomar. É ao lado do Porto, é pouco visitado, as pessoas não exploram. A própria Sandra Almeida, que é a vereadora ali da cultura e do turismo, tem um papel tão genuíno, porque ela quer potencializar a região através da sua história, do seu turismo, economicamente. E ela tem conseguido. O que que essa peça [a filigrana] representa ali numa sociedade, onde você provoca uma renovação de geração para aprender a filigrana, que é feita com dois fios com a espessura de cabelo. Então, cada peça é única. O que aquela economia dessa peça provoca localmente. Ali foi um ponto muito genuíno, que eu até me emocionei.

Eu venho de uma família muito mista. Eu tenho o lado indígena e tenho espanhol. Então, do meu lado indígena, eu me conectei muito em Gondomar. Parecia que eu estava... São os valores do que eu aprendi dentro da minha família, sabe? Eu sou tão bem recebida desde quando eu cheguei há, sei lá, 14 anos? Eu não moro aqui 100%. Tenho uma casa em Lisboa, mas eu me divido muito. Eu fico entre Inglaterra, Brasil e Portugal. Mas, assim, eu estou falando isso porque eu me senti em casa em Gondomar. Em todos os lugares eu me senti muito bem, mas em Gondomar eu senti uma coisa de valores, sabe? E nunca tinha lá ido. Nunca tinha ido. Desde a dança, da tradição, dos costumes, de ver que ali é uma luta. É um caminho que não é fácil, você lutar para que as gerações se renovem, principalmente nessa arte que é artesanal, que tem uma questão económica local. Isso mexeu comigo."

4. A Casa de São Roque

"A Casa de São Roque tem uma história fabulosa. O Pedro, que criou o projeto, é um colecionador de arte e quis deixar ali um legado de revitalização com acessibilidade. São quase seis hectares de espaço, com camélias centenárias, obras de arte portuguesas e espanholas, e muitas curiosidades. Tem uma programação incrível — música clássica no jardim, tudo acessível — e, mesmo assim, muita gente daqui ainda não conhece."

5. Visitar o estádio do Dragão com Pepe

Úrsula Corona e Pepe
Úrsula Corona e Pepe Úrsula Corona e Pepe

"Também preciso falar do Pepe. Ele não só partilhou a história dele, revelando coisas que nunca tinha contado com tanta profundidade, como ainda abriu as portas do Dragão pra gente — inclusive aquele espaço sagrado onde os jogadores se concentram antes de entrar em campo. Foram muito generosos: deram-me uma camisa com meu nome e fizeram homenagens durante o episódio. Foi emocionante. Me senti muito acolhida, de verdade."

6. A gastronomia para lá do bacalhau e do pastel de nata

Úrsula Corona
Úrsula Corona

"No último episódio, trouxemos a tradição pela gastronomia. É curioso: todo mundo que vem a Portugal quer comer bacalhau, mas o bacalhau nem é daqui, né? Está presente em mais de 40 países, mas Portugal assumiu essa identidade. E claro que o turista vem buscar o bacalhau e o pastel de nata — mas é muito além disso. Falamos também do vinho, que muita gente vê só como produto final, mas cada garrafa tem uma história. Algumas vêm de famílias que ainda resistem, que mantêm o legado geração após geração. A garrafa da Ferreirinha, por exemplo, carrega a história de uma mulher que desbravou esse caminho. Então, as dicas que damos no programa são sempre sensoriais, de experiência. Porque a vida precisa ser assim: mesmo com rotina, filhos, casamentos ou não, é preciso sair do lugar comum. Esse programa estimula exatamente isso — escolhas que nos provoquem boas sensações e emoções. Acho que isso é o mais bonito que a gente pode oferecer."

“O Mapa" estreia este domingo, dia 8 de junho, no canal Globo Portugal e conta com quatro episódios para ver sempre aos domingos às 22h.

Créditos fotos: Leandra Benjamim e Patrick Esteves