
Porque é que sofremos para descansar quando é suposto estarmos a desfrutar ao máximo das nossas férias? Ana Rita Álvaro, investigadora do Centro de Neurociências e Biologia Pessoal da Universidade de Coimbra, explica o que é o jet lag e as melhores formas de o combater.
A cientista justifica ainda porque é que não devemos recorrer a álcool, medicamentos ou suplementos como a melatonina para regular o sono e expllica ainda o conceito de jet lag social.
O que é o jet lag?
O jet lag não é mais do que a diferença horária que existe entre o país onde nós estamos geralmente a viver ou a passar algum tempo, para outro que vamos temporariamente. Porque depois, a partir do momento que nos adaptamos, deixamos de ter esse jet lag. Portanto, essa diferença horária, seja para este ou para o oeste, que também faz diferença, chama-se de jet lag.

O jet lag está definido como um distúrbio do ritmo circadiano. O ritmo circadiano é um conjunto de funções biológicas que regulam todas as funções do nosso organismo, seja a nível celular, molecular, que depois se traduzem naquilo que é a nossa fisiologia e comportamento. Nós somos feitos de relógios. E tal como o relógio, nós precisamos de acertar o nosso relógio diariamente. E nós temos vários relógios. Temos um relógio central, que é regulado pelo nosso cérebro. Tudo o que nós fazemos pode parecer que não vai ter efeito no nosso cérebro, mas, na verdade, é o nosso cérebro que controla tudo. Nós temos uma região no cérebro que é muito pequenina e que se chama hipotálamo. E esse hipotálamo é responsável por diversas funções. É uma região muito pequenina, que governa, que regula o ritmo circadiano, regula o sono, regula o apetite, regula o humor, a sede. Ou seja, funções muito básicas, que estão todas elas associadas ao nosso bem-estar. Basta uma delas estar desregulada que nós vamos sentir alteração em todas elas. E, mais em particular, este hipotálamo, que é uma região realmente muito pequenina, mesmo no centro do nosso cérebro, é como se fosse um armário que tem várias gavetas. E uma dessas gavetas chama-se núcleo supraquiasmático. Ou seja, essas várias gavetas são vários núcleos que têm funções diferentes. Eles comunicam entre eles e regulam-se na totalidade. Mas este núcleo supraquiasmático é o principal, e é o maestro principal, da regulação deste ritmo circadiano.
E vou tentar explicar ainda um bocadinho mais porque é que se chama assim. O nosso principal sincronizador, a função principal de dar corda ao nosso relógio, é a luz do sol. E, portanto, o que nos regula, principalmente de forma externa, é o sol. Qual é a forma mais rápida e eficiente de um fator externo atingir o nosso cérebro? O sol entra pela nossa retina, nos nossos olhos, vão formar-se vários sinais químicos que vão ser reunidos no nervo óptico e o nervo óptico vai levar informação ao cérebro. E esse caminho, desde os olhos até ao cérebro, vai através do nervo óptico e atinge o quiasma óptico, que está acima do núcleo supraquiasmático.
Ou seja, é a forma mais rápida que a natureza encontrou de entrar desde o exterior até ao cérebro. E, portanto, este núcleo supraquiasmático, que está acima do quiasma óptico, vai ser altamente estimulado pela luz. E é a luz, então, que diariamente nos regula este ritmo circadiano. O que nos leva depois a formar diariamente, a termos funções regulares. É por isso que temos muita necessidade de sol. Quando foi da pandemia, as pessoas estavam mais em casa, mais fechadas, países onde há menos sol, também há muito mais distúrbios de ritmo circadiano, pessoas que têm mais tendência para depressões, para suicídio, porque, de facto, o sol é fundamental. Nós precisamos dessa regulação externa, que depois nos vai permitir ter o nosso relógio interno orientado.
Este núcleo supraquiasmático vai enviar informações para os outros núcleos do hipotálamo, o hipotálamo envia informações para o resto do cérebro, o cérebro envia informações para todo o nosso corpo. E, portanto, nós somos uma cadeia de relógios. Temos relógios no sangue, no coração, no pulmão, no fígado, na pele, em todo lado.
É por isso que, quando nós mudamos para um sítio com uma hora diferente, o nosso cérebro vai sentir essa diferença de hora e vai estar desregulado, ou seja, vai enviar uma informação diferente daquela que, por exemplo, os nossos músculos estão habituados a ter. É por isso que as pessoas depois sentem dores musculares, podem ter problemas gastrointestinais, dores de cabeça, indisposição, humor alterado. Depois a nova regulação, a adaptação ao novo horário leva ainda umas horas, uns dias, dependendo também da diferença de horário. Quanto maior for a diferença de horário, mais difícil é. E também, obviamente, há aqui uma idiossincrasia, ou seja, há pessoas que sentem mais, outras que sentem menos. Hoje sabe-se de facto que há uma preponderância genética, embora não haja muitos estudos ainda que consigam mostrar preto no branco que genes é que estão envolvidos. Mas já há muitos estudos que mostram esta questão do jetlag como também uma questão que tem uma base genética, naturalmente.
Ou seja, pessoas que têm mais corpo de viajante e outras não?
Há, de facto, pela necessidade que têm de viajar muito. O nosso ritmo circadiano tem uma característica muito interessante — adora regularidade. Para ele tem que ser tudo constante. Por exemplo, uma das regras que se indica quando há pessoas que têm perturbações do ritmo circadiano ou de insónias, perturbações de sono, é regular. Ou seja, tentar deitar e levantar à mesma hora, fazer as atividades sempre às mesmas horas. O ritmo circadiano gosta desta estabilidade.
Quando não é possível, no caso das pessoas muito viajantes, é evidente que o ritmo circadiano sente-se atrapalhado, fica nervoso, mas acaba por poder criar aqui uma rapidez de adaptação maior pela necessidade. Apesar de o nosso ritmo circadiano precisar dessa regularidade e funciona bem na base da regularidade, nem necessidade de uma variação muito grande pode adaptar-se e alterar-se rapidamente. Sendo que pessoas que tenham muita necessidade de viajar há, certamente, grupos dentro delas que têm mais e menos capacidade de se adaptar. Pois deve-se, de facto, também à genética, à facilidade com que pessoas conseguem adaptar-se aos novos ritmos, ou porque conseguem implementar bem alterações de dormir, conseguem ter regras muito bem definidas para a hora que vão dormir, conseguem ter estratégias para induzir o sono. Muitas delas acabam por ter que tomar medicação para conseguir dormir. Às vezes essa questão do corpo viajante, de facto, pode acontecer, mas não há assim muitos milagres. As pessoas ou no momento não sentem muito ou acabam por encontrar estratégias para ultrapassar um bocadinho, mas um dia mais tarde vão sentir isso, certamente.
Existe uma diferença horária a partir da qual as pessoas sentem jet lag? Por exemplo, uma pessoa pode sentir só a partir de 10 horas de diferença e pessoas com uma regularidade tão grande na hora de sono podem sentir se forem para Espanha, que tem uma hora de diferença?
É verdade. Aliás, vê-se muito na mudança da hora, que não é considerado um jet lag, mas temos uma diferença de uma hora. E há pessoas que andam cerca de uma semana, duas semanas, a sentir essa alteração. Há pessoas que sentem muito mais ou porque têm mais sensibilidade à luz e, portanto, a diferença é grande. Ou porque são pessoas muito reguladas ou porque são mais sensíveis à adaptação e têm mais dificuldade em adormecer e depois acabam por não conseguir dormir com a diferença horária. Há variação, de facto, pessoa para pessoa, embora geralmente as diferenças horárias sejam mais difíceis para este do que para oeste. Os voos para leste são considerados mais problemáticos do que os voos para oeste. Uma razão importante é o facto de o período endógeno do ritmo sono-vigília ser ligeiramente superior a 24 horas para a maioria das pessoas, facilitando assim a adaptação nas viagens para oeste. No entanto, as pessoas com tendência para serem matutinas podem sentir mais jet lag quando viajam para oeste do que quando viajam para leste. Essas diferenças podem acontecer e realmente são diferentes de pessoa para pessoa. Há pessoas que realmente têm mais dificuldade. E aqui podemos entrar numa questão que eu acho muito interessante, que é o conceito do cronótipo.
Nós podemos ser definidos por diferentes tipos de preferência de horário para nós vivermos. Ou seja, há pessoas que são mais madrugadoras, há pessoas que são mais noturnas e a grande maioria da população existe num cronótipo intermédio. Ou seja, vivem num horário mais normal, são mais diurnas e à noite vão dormir. Mas o que é que isto quer dizer? Que há pessoas nos cronótipos extremos, ou seja, ou muito diurnas ou muito noturnas. São especiais no que diz respeito à regulação do ritmo circadiano. Elas têm, mesmo, muita dificuldade em adaptar-se a outros horários, como os horários que nós estamos a fazer agora. Uma pessoa que é muito madrugadora acorda naturalmente às 3, 4 da manhã e está bem. Mas às 8 da noite, precisa ir para a cama. E dorme as suas horas. Pelo contrário, uma noturna vai ter necessidade de se deitar mais tarde, 4, 5 da manhã, mas depois também não acorda antes, se calhar, do meio-dia. E, naturalmente, para ela isto está tudo certo. E, com isso, não há problema nenhum, se a pessoa puder ter este horário. Qual é o problema?
A vida não permite, não é?
Isso, a sociedade não permite isso. Se tiver oportunidade de ver uma Ted Talk de uma investigadora dinamarquesa, que se chama Camilla Kring. Ela é absolutamente inspiradora e fala da sociedade B. Que é a possibilidade, esta oportunidade que deveríamos todos ter de viver no horário que nos é biologicamente dado. E isso devia ser uma possibilidade. Nós vivemos mais ou menos no intermédio, eu considero-me uma pessoa aparentemente regulada e normal. Mas eu sou um bocadinho mais noturna do que madrugadora.
Ou seja, dentro do intermédio, eu prefiro deitar-me um bocadinho mais tarde e levantar-me mais tarde. O que é que isto significa? Eu não posso, tenho filhos pequenos, tenho que levá-los à escola, tenho que trabalhar. Quando tenho que me levantar, o despertador toca às sete da manhã, eu estou profundamente desorientada da minha vida. Porque, para mim, o meu horário seria levantar-me às nove da manhã. Não tenho um cronótipo altamente extremo, mas tenho esta pequena diferença que me faz realmente uma diferença no meu dia-a-dia. Acabo para conseguir lidar mas aquele início da manhã custa-me um bocadinho. Agora, as pessoas que são extremamente, passando a redundância, extremas, têm muita dificuldade. E elas sofrem mesmo. Por vezes dizem que a pessoa que é muito noturna é preguiçosa, gosta de viver de noite, depois quer dormir de dia. Não é absolutamente verdade. Enfim, não podemos generalizar, não é? Há pessoas para tudo. Mas pessoas que tenham um cronótipo desta natureza, de facto, a biologia delas induz-lhe esta característica. Assim como se diz das pessoas que se levantam muito cedo que se levantam com as galinhas ou que são antissociais. Ou seja, há aqui um estigma. e um rótulo que não deve ser feito. Nós temos, de facto, particularidades diferentes.
"Acordar às 6h ou 7h da manhã e ir correr pode ser um risco muito grande."
Existe esta nova tendência nas redes sociais, veiculada por influencers de wellness, que faz a apologia do acordar às 3 da manhã, como se isso fosse mais saudável e rentável. Só que isso não é para toda a gente.
Não é. Isso é um mito. Não se deve aqui fazer generalizações. Isso não é absolutamente correto para todas as pessoas. Porque se há pessoas que, de facto, se dão bem com isso, ótimo. E existem pessoas dessa natureza.
Há outras que até porque acreditam nisso e querem fazer uma mudança na sua vida, dizem, 'vou tentar'. Mas podem ter alguma particularidade biológica que lhes vai prejudicar esse comportamento. O levantar muito cedo, eu já digo às 3h, 4h da manhã, mas acordar às 6h ou 7h da manhã e ir correr pode ser um risco muito grande. Ainda recentemente tivemos o caso do Papa Francisco, que morreu às 7h35 da manhã com AVC seguido de uma paragem cardíaca. Se forem ver as estatísticas, é à hora da manhã que acontecem mais enfartes cardíacos. E porquê? O nosso ritmo circadiano tem momentos do dia em que estão alocadas várias funções biológicas.
Por volta das 7h da manhã, 6h, 7h da manhã, há um aumento de cortisol. Cortisol é a hormona do stress. Ou seja, é a hormona que biologicamente nos vai dar indicação ao nosso cérebro, ao nosso organismo, de que está na hora de preparar para estarmos ativos e termos energia para contrariar aquilo que é a hormona da noite, que é a melatonina, que começa a ser produzida quando o Sol começa a baixar, portanto, na redução da luz. A melatonina, ao fim do dia, começa a produzir-se, está durante a noite e, no início da manhã, começa a baixar e, em contraponto, sobe o cortisol, que à noite deve baixar para subir a melatonina. Portanto, eles são opostos. Ora, este aumento de cortisol é bom na medida em que nos vai ativar, mas numa pessoa que possa ter uma fragilidade cardíaca, que possa ter uma predisposição para ter algum problema cardíaco que não conhece, pode vir a ter um problema, pode ter um enfarte a fazer uma atividade supostamente saudável e não sabe porquê. É preciso ter alguma cautela nestas generalizações. Precisamos de respeitar os horários de cada um e nós devemos conhecer para sabermos quais são os nossos melhores horários para nós.
Ainda sobre jet lag. Nas crianças e nos idosos, respetivamente, a adaptação é mais fácil ou mais difícil?
É, o nosso ritmo também varia com a idade. À medida que nós envelhecemos, o número de horas que precisamos de dormir também é menor. Ou seja, as crianças pequeninas dormem muitas horas, depois quando chegamos a adultos, entre os 18 e os 65 anos, devemos dormir entre 7 a 9 horas. Existe aqui também esta margem, porque, de facto, há pessoas que com 7 horas estão bem, outras que precisam de um bocadinho mais. Na verdade, a média é as tais 8 horas. Nós, adultos, devemos dormir, em média, 8 horas por dia, que é algo que não deve acontecer nas crianças. Eu vou a muitas escolas e pergunto aos miúdos quantas horas dormiram. Alguns dizem menos de 8 horas, o que é crítico, é absolutamente preocupante. Um adolescente, já para não falar nas crianças mais pequeninas, pelo menos 10 horas tem de dormir. Eles não dormem. A acrescer a questão dos telemóveis, dos dispositivos eletrónicos, que são um problema.
E, depois, com a idade, mais de 65 anos, de facto, ainda precisamos dormir um bocadinho menos. E isto acontece porquê? Porque o nosso ritmo circadiano também vai alterando. Há processos que são mais ativos durante o dia, outros mais ativos durante a noite. E, com a idade, esta curva vai baixando. Com a idade, o ritmo circadiano fica menos marcado. E, portanto, às vezes é mais difícil de manter uma atividade bem definida, se nós não formos regulares. Muitas vezes os idosos acabam por dormir muito durante o dia, porque já não sabem muito bem se é dia ou se é noite, associado à questão dessas neurodegenerativas, que têm um impacto muito grande no ritmo circadiano.
O que é que é preciso fazer? Os idosos precisam de a apanhar sol, lá está, o sincronizador. Precisam de fazer as suas refeições em horas certas, porque, a par do sol, que é o principal sincronizador, existem outros estímulos que se chamam não fóticos, não dependentes da luz, que são sincronizadores, como as refeições, o exercício físico, os níveis de oxigénio, o lado social, estar com as pessoas, que nos ajudam a regular.
Com as crianças, da mesma maneira. As crianças são muito ativas e acabam por ter alguma capacidade de adaptação, mas uma criança também precisa de muitas regras, também por esta questão do ritmo. E, por isso, poder-se-á adaptar poderá não manifestar tanto aquelas características fisiológicas, de se queixar que lhe dói a cabeça, ou que lhe dói o músculo, ou que se sente cansada, mas também reflete no seu ritmo. Porque, na verdade, uma criança, para conseguir estar bem, precisa ter um ritmo também muito definido, horários muito certos. Um jet lag muito pronunciado pode também afetar uma criança. Pela sua natureza, poder-se-á adaptar rápido e não manifestar tanto, mas também sentem. O distúrbio do jet lag é transversal a todas as idades.
"Dormir pouco à semana e dormir muito ao fim de semana é um cocktail explosivo, não é a melhor solução."
A maioria das pessoas tem aquele período de férias e, vamos imaginar, vai viajar oito dias. É menos prejudicial a pessoa escolher dormir nas horas em que dorme no horário de origem ou fazer uma adaptação às horas de sol do sítio onde está?
É menos prejudicial adaptar-se ao local onde está, pela questão do sol e das refeições, tudo o que é sincronizador. Devemos tentar adaptar-nos, pode acontecer de uma forma gradual, embora oito dias seja pouco tempo. E é evidente que, às vezes, as pessoas, porque querem aproveitar as suas férias, querem fazer um bocadinho à pressa. E há pessoas que vomitam, têm imensas dores no corpo, como se estivessem com uma gripe, é perfeitamente normal. As pessoas devem tentar adaptar-se ao sítio onde estão. E isso deve acontecer pelo ajuste às horas de deitar, tentar ajustar ali para depois aproveitar as horas de dia.
Evitar recorrer a ajudas, como álcool e medicamentos?
Não sou a favor, de facto. E a ciência mostra-nos que não é a melhor estratégia. O álcool, às vezes, pode ser um bom indutor de sono. Pode ajudar a adormecer, porque relaxa os músculos, sobretudo, e se a pessoa estiver mais relaxada pode adormecer. Mas é desestruturador de sono. Ou seja, o nosso sono tem uma arquitetura, tem uma forma. Deitamos, estamos acordados, entramos num sono ligeiramente superficial, vamos entrando em sono profundo, estamos um período e voltamos a entrar em sono mais leve. Podemos ter um microdespertar ou não e voltamos a entrar e isto segue-se. Ou seja, também ele é oscilatório e circadiano. O que é que significa? Nós temos vários ciclos destes durante a noite e, portanto, cada ciclo destes demora cerca de 90 minutos e um adulto deverá ter entre 5 a 7 ciclos destes. O que é que acontece com o sono, com o álcool? O álcool, de facto, ajuda-nos a induzir o sono, mas depois vai estragar esta arquitetura. Ou seja, nós não vamos ter este padrão de sono. E, portanto, não temos estes ciclos de sono, sobretudo não temos o sono profundo, que é aquele que é reparador. É um sono que vai manifestar-se no dia seguinte por algo que não foi bom. Não é a melhor forma realmente de atuar.
A medicação, na minha opinião, e naquilo que a ciência mostra, deve ser reservada para situações realmente muito particulares. É evidente que se uma pessoa está absolutamente desesperada para dormir e não consegue, deve contactar um médico. Infelizmente há muito a questão da automedicação para dormir, até mesmo para as depressões. Geralmente os indutores de sono são medicamentos que se forem tomados de forma crónica, induzem dependência. E, portanto, não devem ser usados sem qualquer controlo médico. Sem qualquer monitorização.
Porque vão tornar-se não só dependentes, como sobretudo nos idosos os estudos mostram que estão associados a uma forte indução, a um aceleramento das doenças neurodegenerativas. É preciso ter muita atenção e é crítico ter este controlo nos medicamentos para dormir, sobretudo os que são mais utilizados, estes indutores que são as benzodiazepinas, que têm este problema, que podem realmente ser úteis num determinado momento, mas que não devem ser usados de forma crónica.
E a melatonina? Há alguma questão associada ao consumo desregulado ou regular dessas substâncias?
Sim, na verdade existe uma regulamentação. O que acontece é que os suplementos que são vendidos com melatonina são suplementos de venda livre porque as doses de melatonina que lá estão não são consideradas terapêuticas e, portanto, podem ser vendidas de forma livre. Por essa razão mesmo, muitas vezes, se a pessoa tiver de facto um problema de sono ou de ritmo muito intenso, geralmente não vão ter grande efeito, porque são quantidades muito baixas.
Muitas vezes, esses suplementos têm outras substâncias misturadas que podem ajudar a adormecer. Por exemplo, muitos deles também têm compostos que são utilizados nos medicamentos anti-histamínicos, para as alergias, porque os medicamentos para as alergias, em alguns deles, também dão sono. Tudo em conjunto, para quem apenas esteja com uma perturbação de sono ou de ritmo ligeira, ou, por exemplo, como a pessoa de um jet lag pensa que é uma coisa ligeira e, de facto, pode ser, porque geralmente passa se não for grave, que pode tomar uma goma de melatonina e tal e que faz bem, geralmente funciona mais pela componente psicológica.
A pessoa acha que tomou e está bem. Quanto a isso, está tudo certo, a pessoa toma 2 ou 3 dias, se não for aquilo, e mesmo que tome mais, aquilo, a dose é relativamente baixa, portanto, não é uma coisa muito crítica. Agora, há medicamentos de melatonina e, esses sim, são sujeitos a receita médica, e esses têm uma concentração de melatonina mais elevada e que só são utilizados em situações mais indicadas, como, por exemplo, as tais perturbações do sono que eu estava a falar. Por exemplo, estas pessoas que têm estes cronótipos muito extremos, sobretudo as que têm atrasos de fase, ou seja, aquelas que se deitam muito tarde, tenta-se dar melatonina ao início da noite para adiantar um bocadinho a hora da pessoa se deitar, mas são medicamentos com uma concentração mais alta.
Os suplementos de venda livre acabam por ser relativamente seguros por isso, porque não têm grande efeito porque têm uma dose baixa. Eu acho que a polémica bate um bocadinho mais porque eu acho que pode ser um bocadinho enganador a pessoa achar que por tomar que está tudo bem, que regula tudo e depois, ah, não passa. Se for alguém que tem um problema realmente grave, não vai resolver com isso. Tem que ir ao médico de medicina do sono e apresentar a sua questão.
Existe agora mais recentemente outro conceito que é interessante, o jet lag social, que acontece muito entre os adolescentes e os adultos ativos. Durante a semana, geralmente, nós cortamos nas horas de sono, porque, enfim, temos que trabalhar, estudar, e porque há este conceito de que, quando temos coisas para fazer, cortamos nas horas de sono, e não nos tentamos organizar bem para não deixar de dormir. E, então, o que é que acontece? Quando chegamos ao fim de semana, vamos tentar recuperar o número de horas que não dormimos. E isso chama-se, então, o jet lag social, que é a diferença de horas que nós dormimos durante a semana para as horas que dormimos ao fim de semana. Qual é o problema disto? É duplo. Um, nós nunca recuperamos o número de horas que não dormimos antes. Dois, ainda vamos desregular mais o nosso ritmo circadiano, porque ele gosta da tal regularidade.
Dormir pouco à semana e dormir muito ao fim de semana é um cocktail explosivo, não é a melhor solução. Portanto, o ideal é sempre tentarmos ter regularidade. Eu acho que é a palavra do meio do ritmo circadiano, é regularidade.