Viagens, destinos de sonho, História, tradições milenares e... Matemática? A relação entre estes elementos pode não parecer imediata mas está intimamente ligada. Em "Caminhos Inexplorados", o novo programa do "National Geographic", a matemática e comunicadora britânica Hannah Fry promete mudar a forma como olhamos o mundo.
“Caminhos Inexplorados”, que estreia a 10 de novembro, combina ciência, cultura e viagem numa exploração global que parte de uma pergunta simples: o que acontece quando aplicamos a lógica dos números às emoções, à geografia e às tradições humanas?
Na Coreia do Sul, Grécia, Irlanda, Islândia, Vietname e Espanha, Hannah Fry, de 41 anos, procura padrões invisíveis e conexões improváveis entre lugares, culturas e pessoas. Da geometria escondida no Pártenon às torres humanas de Tarragona, passando pelas motas de Ho Chi Minh ou pelas sagas vikings islandesas, a série mistura curiosidade, humor e narrativa científica para revelar o que molda a identidade de uma nação.
Professora de Compreensão Pública da Matemática na Universidade de Cambridge, investigadora no Queens’ College e presidente do Institute of Mathematics and its Applications, Hannah Fry é uma das vozes mais reconhecidas da divulgação científica no Reino Unido. A sua carreira tem sido dedicada ao estudo dos padrões de comportamento humano, desde as relações interpessoais e encontros amorosos até à propagação de pandemias, e à forma como a matemática explica fenómenos quotidianos.
Em entrevista à TRAVEL MAGG, Hannah Fry fala sobre esta nova aventura, o que descobriu nas suas viagens e como os números ajudam a compreender o mundo e as pessoas.
Leia a entrevista
Porque quis ligar estes dois mundos, a matemática e as viagens?
São como companheiras naturais, combinam na perfeição! Uma das primeiras coisas que fiz foi sobre matemática e amor [nr: o livro "The Mathematics of Love: Patterns, Proofs, and the Search for the Ultimate Equation"], por isso é um truque que uso: pegar em algo que parece estar o mais distante possível da matemática e depois juntá-los para demonstrar que, mesmo assim, a matemática ainda se aplica.
Acha que isso funciona como elemento surpresa, tal como combinar dating com matemática?
Em parte, sim, mas acho que tem a ver com a ideia de que a maioria das pessoas não é grande fã de matemática, certo? Eu sei que é uma batalha difícil usar a matemática para envolver as pessoas. Penso nisso como quando alguém nunca viu "Os Sopranos", e você pensa "'meu Deus, tenho tanta inveja, há tanto prazer por descobrir". É um pouco essa a forma como vejo as coisas. Não me vou sentar consigo com um manual e obrigá-la decorar a tabuada. Mas acho que há maneiras incrivelmente estranhas, contraintuitivas e maravilhosas de ver o mundo — e é isso que eu quero partilhar com as pessoas.
E porque escolheu especificamente estes seis países?
Quis escolher lugares que tivessem geografias muito diferentes entre si. Por exemplo, a Grécia tem o mar Egeu, muitas ilhas, e em qualquer direção em que vá, há coisas interessantes para descobrir. Por oposição, a Islândia, que está sozinha naquele oceano assustador. Ou Espanha, que foi uma grande potência nas Américas, comparando com a Coreia, que sempre pareceu estar numa península vulnerável, entre gigantes como Rússia, China e Japão. O objetivo era encontrar lugares que fossem muito diferentes entre si, países que fossem muito distintos na sua geografia, para ver se o formato físico do território influenciou quem são como povo.
Qual foi o facto, descoberta ou pessoa mais surpreendente durante as gravações?
Provavelmente diria que foi mergulhar com as haenyeo, mulheres que fazem pesca em mergulho livre na Coreia, perto da ilha de Jeju. Há centenas de anos, houve uma nova lei de impostos que dizia que os rendimentos dos homens iam ser taxados, então as mulheres disseram: "Tudo bem, fazemos nós o trabalho." Elas mergulham a 10 metros de profundidade e apanham polvo, moluscos, tudo o que se imagina. Mergulhei com elas e foi incrível. Eu parecia uma bebé gigante, não correu muito bem (risos)! Algumas delas tinham 70 anos e estavam a empurrar-me pelo rabo para baixo na água. Fui quase afogada por velhinhas coreanas, foi fantástico (risos)! Elas comiam enquanto pescavam. Uma delas apanhou uma lebre do mar, que é tipo uma lesma gigante. Matou-a ali na água, saiu tinta roxa por todo o lado, abriu, tirou intestinos e começou a comê-los crus. E ofereceram-me também.
Diria que foi memorável.
Disse, e com razão, que a maioria das pessoas não é fã de matemática. Porque acha que, com toda a informação que temos, com plataformas digitais, a matemática ainda parece tão assustadora e aborrecida para tanta gente?
Acho que parece aborrecida porque não é o que fomos feitos para sermos. Não passámos milhões de anos a evoluir para estar confortáveis com manuais e folhas de exercícios. Somos seres humanos — gostamos de histórias, mistério, drama, esperança. E a forma como a matemática é apresentada não encaixa em nenhuma dessas categorias. Mas para mim, encaixa totalmente. E sei que a apresentação da matemática não estimula a imaginação das pessoas, mas há tanta coisa boa para descobrir que acho que depende da forma como contamos a história.
Acha que também é cultural? Porque em alguns países asiáticos a matemática parece mais apelativa do que no Ocidente.
Parte do que acontece é a expectativa. No Oriente, há uma ideia de que vai ser difícil. Se eu lhe desse uma folha em japonês, diria "Claro que não percebo, nunca aprendi." E não acharia que isso era um insulto à sua inteligência, certo? Mas se eu lhe desse uma folha de matemática que não conhece, no Ocidente as pessoas pensam logo "Devo ser burra". Porquê? Qual é a diferença? Acho que no Oriente as pessoas aceitam que, se estudarem e trabalharem, vão compreender. Mas também não estou numa missão para que toda a gente seja matemática. Não é esse o meu objetivo. Mas acho que mesmo sem perceber tudo, podemos encontrar coisas incríveis no meio disso — e eu gosto de partilhá-las.
Porque é que acha que, nos últimos anos, vemos tantas pessoas a fugir da ciência e a voltar a crenças anticientíficas?
Há muitas razões. Mas uma delas é que as pessoas sentem que têm sido tratadas de forma arrogante, como se as suas opiniões não importassem. E as pessoas não gostam disso — e eu compreendo. A ciência é muito boa a admitir erros e a mudar de ideias, mas a forma como comunica às vezes é arrogante. "Vocês não percebem nada disto, deixem que nós explicamos". Não é assim que se inclui as pessoas. E a tecnologia, neste momento, parece algo que nos está a ser feito, e não connosco. A confiança tem de ser de parte a parte. E a ciência precisa de comunicar de forma mais eficaz.
Falando de viagens: a matemática é um elemento definidor das viagens — aviões, horários, comboios, está em todo o lado, certo?
É a força invisível que mantém tudo a funcionar.
O que espera que os espectadores sintam ou aprendam depois de verem este programa?
Espero que tenham um momento de curiosidade. Estas são perguntas que nunca vi serem feitas. O programa é um convite a explorar comigo — algumas respostas são claras, outras não, algumas são apenas teorias ou curiosidades.
Mas o importante é a curiosidade — e o prazer que há em segui-la.